Título original: Campo de Sangue
Com:
Carloto Cotta
Luísa Cruz
Sara Carinhas
Teresa Madruga
Fernanda Neves
Suzana Borges
Júlia Palha
Mafalda Marafusta
Alba Baptista
Lana Dumitru
Henrique Gomes
Heitor Lourenço
Miguel Monteiro
Com a participação especial de Adriano Luz
e com a vozes de Luís Lucas and Rui Morisson
Uma fantasia inspirada no romance de Dulce Maria Cardoso
Realização: João Mário Grilo
Argumento: Luís Mário Lopes, João Mário Grilo e Inês Beleza Barreiros
Produzido por Ana Pinhão Moura
Imagem: João Ribeiro
Direcção de arte: Silvia Grabowski
Decoração: Lucha D’Orey
Caracterização: Ana Lorena
Assistente de realização: Emídio Miguel
Som: Francisco Veloso e Pedro Góis
Música original: Mário Laginha
Montagem: Roberto Perpignani
Uma produção: APM Produções
com o apoio financeiro
Instituto do Cinema e do Audiovisual
Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema
Rádio e Televisão de Portugal
Câmara Municipal de Lisboa
Lisboa Film Commission
CMTV
Fundação GDA
GEDIPE
Distribuição: Leopardo Filmes
Festivais e prémios
46ª Mostra de São Paulo
Prémios Colibri 2022 – candidato português à categoria de melhor filme Ibero-americano
Festival Internacional de Vancouver 2022
Nota do realizador
O LABIRINTO DE “CAMPO DE SANGUE” (RECORDATÓRIO DE UM PROCESSO)
Quando o Luís Mário Lopes me desafiou a pensar no seu projecto de adaptação do romance Campo de Sangue, da Dulce Maria Cardoso, estava longe de imaginar a vertigem em que iria cair. O argumento, que não era bem uma adaptação (chamei-lhe “fantasia”), tinha, no seu centro, uma ideia genial – a aparição do protagonista do romance (ELE) à escritora (DULCE) – e uma chave de leitura “geométrica”, que vai muito bem com o cinema que gosto de ver e que sou capaz de fazer. Para além disso, havia já um feliz encontro precedente com a literatura da Dulce: a curta-metragem, também adaptada pelo Luís, a partir do conto Não Esquecerás e que seria produzida em 2017 (esperando eu que estes filmes possam ser mostrados, agora, em conjunto).
Gosto muito da Dulce Maria Cardoso, cujos livros e crónicas me fazem sempre “sair do sítio”. Para mim, é uma escritora que marca um olhar, uma forma e uma moral absolutamente inovadoras na literatura portuguesa e que transporta consigo uma nova energia (cáustica, diria) e uma intensidade feminina que a aproxima de enormíssimas escritoras que sempre muito me interessaram por isso mesmo, por essa diferença: Virginia Woolf , Jane Austen ou Colette (apesar da aversão desta ao feminismo), por exemplo, mas também – e para falar na língua portuguesa -, Maria Gabriela Llansol, Agustina Bessa-Luís, Maria Teresa Horta.
Falei eu em cima de queda e vertigem, porque foi mesmo isso o que aconteceu: o argumento do Luís exigia um filme muito mais longo, desconformado ao orçamento de que dispúnhamos. Era absolutamente necessário reduzi-lo, sem que se perdesse essa atitude de “leitura” do romance e, sobretudo, que se preservasse essa tal ideia genial que descrevi em cima: o aparecimento da criatura à criadora e todas as peripécias que essa aparição promete, e que não são do romance, bem entendido (por causa de tal aparição, dei por mim a pensar em Welles – muitas vezes nele pensei, aliás – e no que aconteceria se D. Quixote aparecesse a Cervantes, por exemplo). A teia estava, portanto, estabelecida, e nela iríamos então cair “alegremente”.
Foi uma queda que me conduziu a lugares que eu jamais suporia. Por exemplo, que me levaria a notar a absoluta similitude que existe entre a estrutura de Campo de Sangue com as suas cinco personagens femininas em torno de um ELE – que, na verdade, não se sabe nunca se não será uma construção de cada uma delas – e um dos mais extraordinários livros da história da literatura: Genji Monogatari (O Romance do Genji), livro escrito no século XI sobre Hiraku Genji, um príncipe do império Heian, tal como olhado pelas diferentes mulheres com quem se relacionou ao longo da vida. Há muito quem considere ser este o primeiro romance da história da literatura; em todo o caso, é uma obra fantástica, intensamente cinematográfica e, pasme-se!, também escrita por uma mulher: Murasaki Shikibu, pseudónimo de uma dama da corte imperial, cujo nome escolhido (Murasaki) é também nome de uma flor e de uma cor – violeta (elemento que, por isto mesmo, viria a ter alguma importância na construção visual da Dulce do filme... pensando sempre nesse encontro/sobreposição entre a escritora do livro Campo de Sangue e a escritora dessa obra mítica e maravilhosamente semelhante, escrita há quase exactamente mil anos).
Ancorada neste processo, esta vertigem essencial foi então ganhando, pouco a pouco, uma forma, à qual eu fui, desde sempre, especialmente sensível: a forma de um labirinto – labirinto do espaço, mas também do tempo -, forma realmente primordial por ser, na verdade, a primeira paisagem (uterina) de todos nós. Saímos – na verdade, somos expelidos, e com que violência! - do nosso labirinto original, para passarmos a ser figuras nos labirintos dos outros. Daí, tudo o que de essencial faz a aproximação deste filme ao programa de “A Condição Humana”, que quis começar a filmar com o anterior Duas Mulheres. Somos humanos, fatalmente e tragicamente humanos (e o ELE do filme/romance é disso mesmo um emblema). Não podemos escapar à crueldade que marca a nossa condição (que muitos chamam - ó quão erradamente! - de “singularidade”), justamente pela forma labiríntica como vivemos as nossas “vidas humanas”, condenadas, por isso mesmo, a serem vidas de perdição. Já é disso que nos fala, causticamente, Campo de Sangue (o livro), tomando por referência a exemplar narrativa bíblica da traição e morte de Judas, a qual suporta, simbolicamente, toda a razão de ser do romance. São tragédias de homens, das quais talvez – esperemos! - só as mulheres e os animais consigam historicamente sobreviver... mesmo que umas e outros tenham sido e continuem a ser, desgraçadamente (et pour cause), as suas principais vítimas...
João Mário Grilo – Maio de 2022
Imprensa
«Um dos filmes mais admiráveis que o cinema português gerou nos últimos anos.»
João Lopes, Diário de Notícias
«Um homem deambula através de um labirinto feminino: um belo exercício de cinema.»
João Mário Grilo entrevistado por João Lopes, Diário de Notícias